terça-feira, 16 de setembro de 2008

ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da Loucura. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2000.

No livro Elogio da Loucura, escrito em 1509 por Erasmo de Rotterdam, secretário do Bispo de Camprai, escritor e doutor em Teologia e professor de Teologia, tanto na Holanda como na Inglaterra, o autor pretende criticar os costumes de sua época tendo a loucura como base de seu discurso.
A palavra loucura na obra de Rotterdam é carregada de uma ambigüidade e uma rara abertura, pois ele desenvolve uma análise da loucura a partir do cotidiano das pessoas e das atitudes das épocas, apresentando as contradições encontradas e se apresentando como a própria loucura, afirmando ser ele o primeiro escritor a fazer um elogio da loucura, traçando a sua origem em Plutão, Deus das riquezas. Ao colocar a loucura como ponto de partida na tomada de decisão de todas as atitudes dos homens na terra em todas as épocas, tantos as positivas como as negativas, as conseqüentes e as não-conseqüentes, as importantes e as não importantes, Rotterdam considera todo ato humano como desencadeado pela loucura e afirma também que Plutão gerou a loucura da juventude.
O autor apresenta um resumo histórico da crise dos estóicos e os graves erros dos escolásticos, que segundo ele evocam os absurdos de questões teológicas que não seriam sequer entendidos pelos apóstolos. Sendo assim, no modo de ver de Rotterdam, essas linhas de pensamentos eram saberes enganosos e por isso ele classifica duas loucuras: a loucura sã, que é a loucura inteligente, e a mera loucura, que é a do saber enganoso. Dessa forma, se constitui uma estreita ambigüidade da realidade humana, que sempre está em contradição. Mas ele não coloca em questão os alicerces da sociedade em que vive; sem negar a superestrutura, ele procura modificar a infra-estrutura, buscando valorizar o saber não como forma de dominação, mas sim como forma de compreensão da própria estrutura da sociedade em que vive e, portanto, como forma de melhorar a convivência do homem com o seu tempo.
Utilizando primeiro os Deuses para justificar seu elogio à loucura, ele também vai buscar essa justificativa em autores como Homero, que examina a vida dos Deuses, e Aristóteles, Platão, Sócrates, Sófocles e outros de sua época e de antes. A recorrência a esses pensadores, propicia que o autor desnude o discurso linear dos estóicos e dos escolásticos, mostrando o caráter intervencionista e paranóico dessas teorias que têm na ignorância a base e o fim de suas teses, e que são utilizadas como forma de impedir o verdadeiro conhecimento de seu tempo e de sua vida pelo homem, dificultando até mesmo a prática da fé, uma vez que sem a contradição reina a mentira.
O estoicismo e a prática escolástica são vistos pelo autor como uma forma de reconhecer que tem no desconhecimento suas bases, comandada por interesses escusos e não inteligentes. Nada além de uma saída para os que advogam a escuridão como regra para a manutenção de privilégios baseados em falsos conhecimentos que não resiste ao estudo sob o comando da contradição, ou seja, da loucura. Enfim, o autor nos traz as teorias sobre a loucura na perspectiva da vida organizada com as evoluções do pensamento religioso sob a ótica católica, que se opõe a qualquer tese que venha transformar essa realidade. Nesse sentido, a contradição é no livro de Rotterdam uma arma para a manutenção dos poderes e formas de vidas constituídas. Através de citações extraídas da bíblia e de exemplos do personagem Jesus, o autor deixa claro que os homens são malucos, mesmo os que fazem profissão de piedade (p. 109).
O autor encerra sua obra trazendo questões a respeito dos que são eleitos antecipadamente para gozar as delícias da beatitude e afirma serem eles de números reduzidos, associando suas atitudes com sintomas que se assemelham aos da loucura: “Sua fisionomia transforma-se a cada momento, e ora estão alegres, ora melancólicos; choram, riem, suspiram, numa palavra estão inteiramente fora de si” (p. 116). Assim, o texto se configura bastante esclarecedor, colocando informações e análise tanto da hipocrisia religiosa da idade média e do renascimento e, como das mudanças ocorridas e contradições encontradas tanto no pensamento como no interior do poder da igreja católica da época.



Ronaldo braga

1 Responses (Leave a Comment):

Mônica Sepúlveda disse...

A sua resenha é tão atraente do ponto de vista literário, que me aguçou a vontade de ler o livro. Faço parte de um clube de leitura na escola que meus filhos estudam e sempre elegemos uma obra para discutirmos durante 30 dias.Vou sugerir a professora de literatura a discussão dessa obra..
Gostei muito..
Você sempre nos presenteando com coisas muito ricas..continue assim...